Em frente à mesa farta - com arroz, feijão, carne, milho, mandioca, batatadoce, repolho e pepino - Álvaro Luettjohann sorri: "Tudo o que estamos prestes a comer é orgânico e produzido aqui". Álvaro e sua esposa, Adriane, moram em Candelária, uma pequena cidade no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Ir à fazenda deles é como entrar em um oásis em uma região marcada pelo cultivo de tabaco e pelo uso de pesticidas.
O Brasil é o maior exportador e o terceiro maior produtor de tabaco do mundo, mas o cultivo do tabaco é um problema em nível global, com mais de 120 países cultivando tabaco. No Brasil, as plantações de tabaco estão altamente concentradas nos três estados do Sul, um dos quais é o Rio Grande do Sul, onde Álvaro e Adriane vivem, e que abriga mais de 50 mil fazendas produtoras de tabaco.
Álvaro e Adriane conhecem o trabalho incansável de um fumicultor, pois suas famílias têm cultivado tabaco por gerações. Estudos mostram que a cultura do tabaco é um empreendimento muito mais intensivo de mão-de-obra em comparação com outras culturas. Além disso, os fumicultores e suas famílias enfrentam vários riscos à saúde ao longo do processo, incluindo doenças pulmonares crônicas e intoxicação por nicotina causada pela absorção de nicotina pela pele quando os trabalhadores manuseiam folhas de tabaco não curadas.
Álvaro alimentando galinhas. Crédito: Raquel Torres / Acervo Fiocruz-CETAB
Por muitas dessas razões, o casal abandonou essa atividade décadas atrás: Álvaro parou de cultivar tabaco no final dos anos 1980, e Adriane o fez quando se casou com ele em meados dos anos 1990. Em vez de tabaco, eles agora cultivam alimentos mais sustentáveis e, em 2004, eliminaram completamente o uso de pesticidas e fertilizantes químicos.
Hoje, eles têm certificação orgânica, preservam as sementes crioulas e cultivam quase todos os alimentos que precisam: arroz, sete tipos de milho e 10 tipos de feijão, amendoim, batata, vários tipos de batata doce, mandioca, legumes, chia, gergelim, mate e várias frutas. O casal também cria animais para produção de leite, ovos e carne, e possui um engenho para a produção de fubá.
Famílias de agricultores como a deles estão ajudando a mudar o rumo da insegurança alimentar e a melhorar nosso meio ambiente, além de salvar vidas do impacto mortal do tabaco.
Álvaro conta que cresceu sob o discurso da indústria do fumo, ouvindo que a fumicultura era a verdadeira vocação da região e que não valia a pena cultivar outras culturas
“Mas meu pai nunca acreditou nisso e, embora cultivássemos fumo, ele conseguiu ter uma lavoura diversificada – e houve épocas em que deixamos o fumo de lado. Ele sempre dizia que 'não pode comer fumo, então tem que plantar'”, lembra Álvaro. Porém, segundo ele, sua família foi convencida de que pesticidas e fertilizantes químicos eram necessários para aumentar a produtividade. “Mas a grande produtividade que nos foi prometida nunca aconteceu e, ainda por cima, nosso solo empobreceu.”
Depois que o Álvaro e a Adriane iniciaram a produção orgânica, demoraram alguns anos para que o solo voltasse a ser saudável, mas agora eles têm uma terra bem nutrida com bioprodutos orgânicos.
O casal destaca que as políticas governamentais foram essenciais para que conseguissem parar de cultivar tabaco e se tornassem agricultores orgânicos. Eles acessaram programas de crédito para comprar máquinas e até para construir sua casa na fazenda. Também afirma que não tem a intenção de cultivar tabaco nunca mais. “Sempre conversamos com amigos e familiares que ainda cultivam tabaco para viver e tentamos mostrar que é possível ter outras fontes de renda”, diz Adriane, única que abandonou o tabaco em uma família de 10 irmãos.
Se os governos parassem de subsidiar o cultivo de tabaco e apoiassem os agricultores a mudar para cultivos mais sustentáveis, isso ajudaria a enfrentar a crise alimentar global e a apoiar comunidades mais saudáveis.
Nota para o editor: Este texto foi apoiado pelo Centro de Conhecimento da CQCT da OMS para os artigos 17 e 18 / CETAB / Fiocruz.